Em poucas palavras, o que é educação inclusiva?
Maria Teresa Eglér Mantoan
3 de agosto de 2025
A inclusão implica pedagogicamente na consideração da diferença de cada aluno, em processos educacionais iguais para todos. A ambivalência dessa situação assemelha-se ao andar no fio da navalha. Exige um equilíbrio dinâmico dos que atuam nas escolas para que possam atender plenamente o que a inclusão prescreve como prática pedagógica, ou melhor, para não cair nas diferenças externas dos alunos, como é o caso da deficiência intelectual.
A diferença, em si, entre cada um de nós é interna, tem a ver com a nossa subjetividade e não cabe nesses perfis engessados, nas classificações e identificações que encerram os alunos em “mais adiantados”, “mais atrasados”, “alunos de inclusão” e em quaisquer grupos à parte, na mesma sala de aula. Cada aluno é um aluno, uma pessoa singular, que não se repete, que está em constante diferenciação e, portanto, não tem a ver com a diferença pela qual as pessoas são agrupadas, separadas, nomeadas, conforme critérios comparativos quaisquer, como é o caso da deficiência intelectual, dentre outras. E esse entendimento, que é definitório para que se formem salas de aula ditas inclusivas tem sido difícil de ser compreendido, porque estamos sendo bombardeados pelo Identitarismo.
Vivemos um tempo (e há um tempo) em que pessoas são classificadas por diferenças externas, como as deficiências, a cor, gênero, a religião, nacionalidade, nível social, as competências e habilidades específicas para determinadas tarefas e tipos de conhecimento, filiações as mais variadas causas e rótulos. O mesmo se repete nas turmas escolares. O Identitarismo precisa ser cuidadosamente observado nos projetos escolares, ditos inclusivos, para que, na intenção de acertar, as escolas e pais não continuem se perdendo e caindo em armadilhas difíceis de escapar.
A nossa escola busca cumprir o preceito constitucional que a concebe como inclusiva e defende que cada pessoa aprenda segundo suas capacidades. Apesar disso, contrariamente, nela os alunos ainda são diferenciados por participarem de programas de reforço escolar e outros. Nesses programas os estudos são realizados por meio de atividades, conteúdos, avaliações adaptados e limitados, prescritos por professores e especialistas, na ilusão de serem capazes de definir e controlar o aprendizado.
Muitos ainda acreditam que essas diferenciações são para incluir, pois do contrário esses alunos seriam relegados pela escola, por falta de atenção às suas necessidades. Ocorre que tais programas, por restringirem conteúdos e atividades escolares, são discriminatórios e excludentes. Há famílias, professores, redes de ensino, defensores públicos, que incentivam tais programas, ignorando o que é uma escola inclusiva. Na boa vontade de individualizar o processo educativo, de modo que se ajuste ao feitio de cada aluno, a exclusão se manifesta, embora se esteja pretendendo o contrário.
A escola inclusiva não substitui o ensino escolar para alguns alunos, por meio de currículos adaptados, objetivos educacionais reduzidos, critérios de avaliação abrandados, terminalidade específica para certificação escolar, facilitação de atividades, sempre levando em conta o que o nosso poder de decidir sobre o que os alunos têm ou não capacidade de aprender. A escola inclusiva não tem a ver com alunos cuja identidade é estável, permanente, definida por laudos, testes, níveis de inteligência e outros, que comparam e graduam suas capacidades.
No âmbito da educação inclusiva, são os alunos que indicam o modo de o professor ensinar e de avaliar a aprendizagem. Ambos planejam o modo de se apresentar um dado conteúdo, a partir do que já conhecem do mesmo, incluindo o que têm curiosidade de saber mais, entendê-lo melhor. Esse modo de planejar o ensino em conjunto faz com que o conteúdo tenha sentido para todos e que cada disciplina seja estudada na medida do interesse e entendimento de cada um. Trata-se do chamado ensino horizontalizado, ao contrário do que é o ensino verticalizado – do professor para os alunos, como ainda acontece em nossas escolas. A avaliação também tem participação do aluno – é uma autoavaliação, porque só o aluno sabe, de fato, o que aprendeu de um dado conteúdo escolar. Ao se auto avaliar, a aprendizagem é percebida pelo aluno e professor muito mais do que nas provas. Essas mudanças no modo de ensinar e de avaliar o conhecimento são muito importantes e mudam o papel do professor. Sugerem moderação nas suas funções explicativa e avaliativa do professor, deixando espaço para que a criatividade e as descobertas dos alunos se manifestem a partir das suas experiências e buscas.
A expressão livre dos alunos sobre o conteúdo curricular desenvolve em cada um deles o que se conhece como autonomia intelectual. Qualquer um de nós só desenvolve essa autonomia, se ela nos é oferecida na educação familiar e escolar. Nesse particular, uma pessoa com deficiência intelectual, como qualquer outra, que não é sufocada pelo poder dos pais, dos professores, dos especialistas, tem espaço para construir suas ideias, seu mundo, seu modo de ser. Tem aumentada a sua capacidade de decisão, tão importante na vida de todos nós e ampliado o desempenho e acompanhamento do ensino na família, na escola, nas atividades de vida social, laboral, esportiva....
O exercício propiciado pelo ensino que fortalece a capacidade de tomada de decisão do aluno, escolhendo por si só suas tarefas e o modo de as desenvolver, de acordo com suas capacidades e interesses, corresponde ao que almejamos atingir em uma pedagogia alinhada à inclusão.
Estudar com e jamais estudar apenas junto, numa carteira à parte - só assim o estudo se organiza naturalmente e o saber de cada um circula, sem hierarquias – quem sabe mais, sabe menos... Todos têm o que ensinar e aprender em um ambiente escolar caracterizado pela diferença de capacidades, as quais diluem a autoria do conhecimento conferida apenas ao professor.
Os conteúdos escolares disponibilizados para todos, a partir de atividades diversificadas e de livre escolha, que não foram adaptadas para um grupo ou para um aluno em especial, oferecem aos professores indícios sobre as capacidades dos alunos e sobre o que desejam conhecer, e torna-os sujeitos ativos do conhecimento.
Muito ainda poderíamos dizer de uma pedagogia própria das escolas inclusivas. Temos batalhado bastante para que ela aconteça nas escolas. Os pais precisam continuar sendo nossos maiores aliados, mais ainda do que têm sido e do que são.

Maria Teresa Eglér Mantoan
Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP Coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença – LEPED/UNICAMP.